Introdução
A brassagem é um processo bioquímico complexo, onde diversas reações físico-químicas e enzimáticas transformam o amido dos cereais em açúcares fermentáveis. Entre as mais relevantes destacam-se a gelatinização e a hidrólise enzimática, etapas fundamentais para garantir a eficiência da mostura e a qualidade da cerveja final.
Explicação técnica
Gelatinização
A gelatinização é o processo físico pelo qual os grânulos de amido absorvem água e se expandem quando aquecidos a temperaturas específicas. A estrutura cristalina do amido se rompe, tornando-o acessível às enzimas.
- Temperaturas de gelatinização variam conforme o cereal:
- Cevada maltada: 58–65 °C
- Trigo: 52–64 °C
- Milho: 62–74 °C
- Arroz: 68–78 °C
Sem gelatinização adequada, as enzimas não conseguem atuar de forma eficiente sobre o amido.
Hidrólise enzimática
Uma vez gelatinizado, o amido pode ser degradado por enzimas. As principais enzimas envolvidas na brassagem são:
- α-amilase – endoenzima que corta cadeias de amido em pontos aleatórios, formando dextrinas. Atua melhor entre 68–72 °C.
- β-amilase – exoenzima que libera maltose a partir das extremidades da cadeia de amido. Atividade ótima entre 60–65 °C.
- Limit dextrinase – degrada ligações ramificadas (α-1,6) do amido. Importante para maior atenuação.
Este processo, conhecido como sacarificação, converte amido em açúcares fermentáveis (maltose, glicose) e não fermentáveis (dextrinas), definindo corpo e perfil de atenuação da cerveja.
🔗 Referência técnica: Amylolytic enzymes in brewing
Aplicações práticas
- Escolher adequadamente o ramp-up de temperatura na mostura, garantindo gelatinização completa do cereal usado.
- Utilizar cereais não maltados (milho, arroz) exige pré-cozimento ou uso de flocos já gelatinizados.
- Ajustar o perfil de temperatura da mostura (step mash) para equilibrar a ação das enzimas:
- 62–65 °C → mosto mais fermentável (β-amilase).
- 68–70 °C → mosto menos fermentável e com mais corpo (α-amilase).
- Monitorizar pH (ideal entre 5,2–5,6) para máxima eficiência enzimática.
Dicas e Truques
- Prefira flocos pré-gelatinizados para simplificar o processo.
- Combine rampas de temperatura (ex.: 63 °C + 70 °C) para obter equilíbrio entre atenuação e corpo.
- Evite superaquecer acima de 75 °C, pois as enzimas desnaturam rapidamente.
- Adapte a mostura de acordo com o estilo: Lagers pedem maior atenuação, já Stouts podem tolerar mais dextrinas.
Referências
- Kunze, W. Technology Brewing & Malting, VLB Berlin.
- Briggs, D.E. et al. Brewing: Science and Practice. Woodhead Publishing.
- Bamforth, C. Beer: Tap into the Art and Science of Brewing.
Conclusão
A gelatinização e a hidrólise enzimática são reações cruciais na mostura, determinando a extração de açúcares fermentáveis e a composição final do mosto. Dominar esses processos permite ao cervejeiro ajustar corpo, dulçor e atenuação da cerveja, além de otimizar a eficiência da brassagem.
👉 Próximo passo: experimente diferentes perfis de mostura num mesmo malte e compare os resultados sensoriais e analíticos.