O equilíbrio entre minerais e pH é um dos pilares fundamentais para a produção de cerveja artesanal de qualidade. A água, que representa cerca de 90–95% da composição da cerveja, não é apenas um veículo neutro: o seu perfil mineral influencia a atividade enzimática, a extração de compostos e até o carácter sensorial do produto final.
Explicação técnica
O pH durante a brassagem deve manter-se geralmente entre 5,2 e 5,6 (medido a 20 °C). Este intervalo otimiza a atividade das principais enzimas (amilases, proteases e beta-glucanases), garante uma boa extração dos açúcares fermentáveis e minimiza a extração de taninos e polifenóis indesejáveis.
Os minerais mais relevantes no ajuste do pH e no perfil sensorial da cerveja incluem:
- Cálcio (Ca²⁺): Estabiliza enzimas, favorece a precipitação de fosfatos e proteínas, reduzindo o pH. Melhora a clarificação e a estabilidade coloidal.
- Magnésio (Mg²⁺): Cofator enzimático importante, contribui para a fermentação, mas em excesso pode causar adstringência.
- Bicarbonatos (HCO₃⁻): Aumentam o pH do mosto, sendo adequados para mostos mais escuros que já apresentam acidez natural dos maltes torrados.
- Sulfatos (SO₄²⁻): Realçam o amargor do lúpulo e proporcionam uma sensação seca.
- Cloretos (Cl⁻): Reforçam o corpo e a doçura residual, equilibrando a percepção do amargor.
Um ponto central é a relação residual alkalinity (RA), que mede a capacidade tampão da água (influenciada por cálcio, magnésio e bicarbonato). A escolha da cerveja a produzir deve orientar o ajuste da RA.
Para cálculos detalhados e tabelas de ajuste, recomenda-se a leitura do Water Chemistry Primer de John Palmer (How to Brew).
Aplicações práticas
Na prática cervejeira:
- Ajustar o pH do mash com sais minerais (ex.: CaSO₄, CaCl₂) ou com ácidos (ex.: ácido lático, ácido fosfórico).
- Utilizar água mole para estilos delicados (Pilsners, Lagers claras) e água mais dura para estilos escuros (Porters, Stouts).
- Controlar o pH não só na brassagem, mas também na lavagem dos grãos (sparge), para evitar extração de compostos indesejáveis.
- Medir o pH sempre com medidor digital calibrado, evitando confiar apenas em tiras indicadoras.
Dicas e Truques
- Manter cálcio entre 50–100 ppm para estabilidade da cerveja.
- Para IPAs, aumentar sulfatos até 150–200 ppm para reforçar o amargor.
- Para cervejas maltadas, favorecer cloretos na faixa de 100–150 ppm.
- Evitar magnésio acima de 50 ppm, pois gera sabores amargos e metálicos.
- Ajustar bicarbonatos apenas quando se utilizam maltes torrados em quantidade significativa.
Referências
- Palmer, J. (2017). How to Brew. Brewers Publications.
- Briggs, D. E., Boulton, C. A., Brookes, P. A., & Stevens, R. (2004). Brewing: Science and Practice. Woodhead Publishing.
- De Clerck, J. (1957). Textbook of Brewing. Chapman & Hall.
- Kunze, W. (2010). Technology Brewing & Malting. VLB Berlin.
Conclusão
O equilíbrio entre minerais e pH é decisivo para a eficiência da brassagem e para o perfil sensorial da cerveja artesanal. Dominar este tema permite não apenas corrigir problemas, mas também explorar novas dimensões de sabor.
👉 Próximo passo: escolha uma receita que já produza e faça dois lotes – um sem ajuste e outro com correções de pH e minerais. Compare os resultados e descubra como pequenos detalhes transformam a qualidade final.